A instalação “Sapos” foi criada a partir do estudo da primeira cena da peça Cleansed de Sarah Kane, refletindo prioritariamente sobre um momento de irrupção da vida e suas relações com espaço ao qual se restringe. Uma ponte entre vida e espaço, uma experiência limite onde o corpo se dissolve, são estas frases tópicas para o pensamento que desenvolvi nesta instalação.
Parece ser esse um dos focos da peça Cleansed, a experiência limite da vida em determinados cenários, como o campo de concentração e o hospital, produtores de corpos desgastados pela ação das condições do espaço onde se vive. Um corpo que explode no mercado público, um corpo de um viciado morto de overdose, um corpo esperando a morte no corredor do hospital, metáforas dessa vida que deixa de ser “a vida” e se torna “uma vida”, ponto sobre o qual passei a refletir sobre uma estrutura mais primária ligada ao percurso de ida e vinda para minha casa.
Explico-me: sempre neste percurso encontrava corpos de sapos estourados pelas crianças que brincavam, pelos carros e motocicletas que passavam, pelo sol ao meio-dia. Próximo a minha casa existe uma lagoa de captação da água da chuva, que naturalmente no período do outono e inverno, épocas de maior índice de chuvas, enche e se torna nesse intervalo de tempo um imenso criadouro de sapos que surgem em grande número com o acúmulo de água.
Bastava a estes sapos que saíssem do espaço da lagoa e abruptamente por alguma das ações citadas acima morriam, e em épocas de fim de inverno seus cadáveres secos pelo sol ocupam grande parte da rua. Ao vê-los dia após dia passei a pensar neste percurso, neste holocausto que ignorava. Holocausto num sentido quase bíblico, como coloca Jó “um holocausto que se oferece em sacrifício”, um sacrifício cíclico de uma realidade estranhamente natural: a lagoa, as chuvas, os sapos, o seu crescimento, sua morte, e então novos sapos resultantes de sua reprodução adentrando um mesmo ciclo.
Olhar aqueles corpos secos dos quais desviava cotidianamente enquanto caminhava para juntar-me ao grupo e pensar Cleansed de Sarah Kane, me fez repentinamente refletir sobre esta instância de exposição e fragilidade da experiência da vida considerando uma violência natural do meio em que se insere. Violência no sentido em que discorreu Merleau-Ponty sobre esta, como condição sensível de toda existência em relação a alteridade, de forma que nos restaria nesse raciocínio pensar que não existe a paz, apenas formas alternadas de violência que são o próprio movimento estranhamente natural da vida.
Dessa maneira, realizei no primeiro BodeArt, em maio de 2010 no espaço do TECESol, com apoio das discussões e observações do grupo de trabalho, a composição de uma instalação que buscava tratar destes pontos aqui discorridos. No início de cada manhã, durante dias, recolhi uma a uma diversas carcaças secas de sapos jovens e adultos, de pele enegrecida pelo sol, ou esbranquiçada pela exposição dos ossos. Propus uma instalação em performance usando a diferença de densidade de fluidos em copos e vasos, para fazer que com o passar do tempo se movimentassem lentamente em seu interior os corpos secos dos sapos e gotas de tinta colocadas sob estes, de forma que enquanto se moviam em direção ao fundo do copo ou vaso coloriam com duas tonalidades distintas os dois espaços, caminho de vida e morte, experiência limite que os divide.